Equipado com microscópios e medicamentos, um barco deixa a área urbana de Bagre, no Pará, rumo aos povoados da cidade localizados no meio da floresta amazônica – o mais distante deles, a 18 horas de viagem. O objetivo da viagem é combater a malária, que voltou a crescer. De um ano para outro, o número de casos no município subiu impressionantes 5160% – de 129, em 2016, para 6789, em 2017.
Na viagem, a embarcação margeia a floresta praticamente intocada. Ao chegar a comunidades ribeirinhas, os agentes de saúde desembarcam e vão de encontro à população. Se observam casos suspeitos de malária, fazem um pequeno furo no dedo do paciente para coletar sangue. Em seguida, levam o material para os microscopistas que aguardam no barco. Em cerca de 20 minutos, sai o diagnóstico.
“Em uma dessas travessias até o povoado mais distante, em março, paramos em cerca de 30 comunidades, ao longo de 10 dias. Coletamos em torno de 700 lâminas, 50 deram positivo”, diz José Pinheiro Maia, diretor de endemias de Bagre. Para ter uma ideia, a cidade paulista de Campinas, que foi a mais afetada das regiões Sul-Sudeste, registrou 14 casos ao longo de todo o ano passado. A maioria dos casos ocorre na zona rural, em áreas próximas da floresta.
Bagre é um dos casos mais agudos de um fenômeno que atinge todo o Brasil, particularmente a Amazônia. Em 2017, o número de casos de malária subiu 50% no país, chegando a 194 mil ocorrências. O crescimento ocorreu depois de seis anos de queda – em 2016, o Brasil registrou o menor número de casos em 37 anos, o que foi visto como um grande sucesso no combate à malária.
Mas em maio do ano passado o cenário mudou: a malária voltou a crescer. O pico do aumento ocorreu em setembro, quando o número de casos dobrou em relação ao mesmo mês do ano anterior. Este ano, a alta continua. Em fevereiro, o último mês com dados disponíveis, o aumento era de 48% em comparação com um ano antes.
A malária é uma doença febril, transmitida pela picada de um mosquito infectado pelo Plasmodium, um parasita. No Brasil, a principal forma da doença é a vivax, mais branda, que oferece pouco risco de morte, ao contrário da forma mais comum nos países africanos. Por aqui, 99% dos casos são registrados na Amazônia.
Os maiores aumentos ocorreram no Pará (153%), Amazonas (65%) e Roraima (56%). Embora grande parte do território desses Estados apresente casos de malária, a situação é grave mesmo em um número muito pequeno de cidades. Apenas 25 municípios concentram 9 de cada 10 casos extras da doença registrados no ano passado. Bagre está no topo da lista, com 6,6 mil casos a mais.
Maia, o diretor de endemias de Bagre, pegou malária duas vezes nos últimos seis meses. Antes disso, o paraense de 60 anos só tinha contraído a doença uma vez na vida, há muitos anos. Em dezembro, ele ficou doente após uma visita ao filho que vive na zona rural de Bagre – esse filho, a nora e os cinco netos também pegaram malária. Em março, adoeceu novamente, após uma das viagens de barco para combater o surto da doença.
“Nas viagens, a gente dorme dentro do barco, em redes com mosquiteiro, usa repelente, tenta vestir roupa comprida. Mesmo assim, a gente não escapa”, diz Maia.
“Malária é muito ruim. Dá muita febre, muito tremor. Tenho medo de pegar de novo, mas a gente vai ter que tratar do povo e ir para as áreas de malária.”
Mas o que fez Bagre e a Amazônia brasileira passarem de um cenário de queda contínua para uma alta tão grande? “Essa é uma pergunta um pouco complicada”, resume Marcus Lacerda, médico infectologista da Fundação de Medicina Tropical, sediada em Manaus. A BBC Brasil entrevistou cinco especialistas brasileiros em malária para tentar entender o que está por trás do surto.